Estudo da Faculdade de Saúde Pública da USP analisou discursos de funcionárias de uma empresa de varrição e coleta de lixo no interior de SP: elas são notadas como “fazedoras de uma ação” e não como pessoas.
A invisibilidade pública, que transforma pessoas em objetos, é um dos problemas enfrentados por mulheres que trabalham varrendo ruas, as varredeiras. Conhecidas como “margaridas”, elas também precisam lidar com a falta de conscientização de empresários e da população, o descarte inadequado de resíduos, a falta de segurança das periferias, o preconceito, o trabalho nas ruas sob altas temperaturas e a dificuldade no acesso a banheiros, entre outras questões.
Identificar os principais problemas enfrentados por varredeiras funcionárias de uma empresa no interior do Estado de São Paulo foi um dos focos da dissertação de mestrado da psicóloga e psicanalista Bianca Gafanhão Bobadilha, realizado na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. O trabalho teve como objetivo investigar a capacidade dessas funcionárias em propor soluções para melhorar a rotina de trabalho, tornado-as protagonistas dessas mudanças.
Como resultado, as varredeiras propuseram formas de melhorar o trabalho e o reconhecimento por parte da população como, por exemplo, ir conversar pessoalmente com donos ou responsáveis de bares, lanchonetes e restaurantes para conscientizá-los da importância de embalar corretamente os resíduos e descartá-los de forma segura.
Como parte final do trabalho, Bianca produziu um documentário (veja abaixo) com participação ativa das varredeiras no roteiro e finalização do produto audiovisual.
Para alcançar os resultados propostos, Bianca analisou discursos de varredeiras produzidos durante sessões de intervenção formativa – onde o pesquisador atua como um dos atores de mudança e não só como um observador – conduzidas por pesquisadores da FSP.
A coleta do material foi realizada entre março de 2017 e julho de 2018. Os encontros semanais (15 no total, com duração de 2 horas e com média de 15 participantes em cada) aconteceram durante o horário de descanso das varredeiras.
A demanda para a realização da pesquisa de intervenção formativa surgiu em 2015, depois que o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) constatou um elevado índice de acidentes de trabalho no setor de coleta de lixo da empresa.
“Geralmente, essas intervenções são feitas com trabalhadoras letradas, empoderados e com capacidade de se expressar”, explica ao Jornal da USP Marco Pereira Querol, professor da FSP e orientador de Bianca. “O aspecto inovador da pesquisa está justamente em ouvir um grupo sem voz ativa na empresa.”
As análises de conteúdo e de discurso das mais de 12 horas de gravações mostraram que os desafios diários das varredeiras estão relacionadas ao trabalho na rua, à forte hierarquia na empresa, à falta de conscientização da população sobre a atividade de varrição e ao descarte incorreto de resíduos.
Esses entraves levavam a um outro problema, segundo Bianca: ao fenômeno de invisibilidade pública, aqui entendida como o desparecimento intersubjetivo de um homem no meio de outros homens.
“No dia a dia, não reparamos que a rua está limpa, mas se o serviço deixa de ser feito, imediatamente observamos”, explica Bianca. “Há uma associação ao serviço em si, não ao sujeito que executa essa ação.”
As participantes tinham idade variada, baixa escolaridade (com presença de analfabetas no grupo) e, por vezes, eram as principais responsáveis pelo sustento da família.